Uma Fissurada Palatina na História da Vita
Sendo muito sincera, nunca sei muito bem como começar a escrever sobre minha história sem ser da forma que começo os posts do meu blog, mas vou tentar de outra forma para vocês, já que é um convite muito especial. Oi, meu nome é Júlia e eu nasci com Fissura Palatina - talvez você conheça como fenda palatina -, mas essa é só a ponta do iceberg.
Nascida em 1998, prematura de 7 meses, precisei ficar na UTI Neonatal durante 2 meses antes de poder vir para casa e, durante minha estada no hospital, foi descoberta minha Fissura Palatina. A fissura é a anomalia craniofacial mais comum no mundo, atingindo em média 1 a cada 650 crianças. Uma delas sou eu.
Saindo do hospital, meus pais começaram o que eu chamo hoje “A Primeira Jornada”, ou seja, os primeiros cuidados necessários – inclusive cirúrgicos – comigo. Até encontrarmos o Dr. Collares, referência em cirurgias plásticas e, principalmente, no tratamento de Fissurados, a equipe da Vita Clínica já havia entrado na minha vida, através da minha mãe, ou seja, a Dra. Liane já era minha pediatra. Quando precisamos, eles estavam à postos para nos ajudar com o que fosse.
Com a primeira palatoplastia feita, houveram as primeiras tentativas com a fonoaudiologia. Adivinhem? Não deu muito certo – é muito difícil crianças ficarem fazendo exercícios de “fono” quando estão mais entretidas com as brincadeiras, hoje entendo isso. O tempo foi passando e entrei na escola! Até esse momento, eu não entendia muito bem o que havia acontecido comigo, mas, em algum tempo, começaria a ouvir alguns comentários como “por que ela fala assim?” e precisaria entender. Mudei de escola antes de entrar na 4ª série (5º ano atual) e as primeiras perguntas eram “por que ela fala assim?” e, nesse momento, sabia explicar o que era minha fissura e que esse era, então, o motivo da minha fala ser como era.
Surpreendentemente, sempre gostei muito de falar e apresentar na frente da turma, algo que foi interrompido algumas vezes, por conta dos aparelhos ortodônticos que já usei, principalmente os fixos – os piores. Como eu nunca havia prestado muita atenção na Fissura ou nas suas possíveis consequências, entre a 5ª série e o 1º ano do Ensino Médio, passei por um período conturbado em relação à minha condição. Comecei a reprimir isso em mim, agia como se não tivesse nada de diferente na minha fala, ou meu corpo, e ficava muito irritada com quaisquer comentários ou se alguém não me entendia.
No segundo ano do EM, passei por outra “fono”, com certa relutância, porque não sabia exatamente o motivo de fazer aquilo. Novamente, não dei o melhor de mim e os resultados não foram muito bons. Nesse momento, comecei a questionar se de repente não havia algo que eu pudesse fazer para mudar essa questão. No meio disso tudo, também decidi que queria fazer um intercâmbio para a Alemanha, no meio do 3º ano – sim, ano de prestar vestibular e de ENEM. Como preparação, fiz algumas sessões com uma psicóloga de Porto Alegre e não nos acertamos muito, mas sou eternamente grata a ela por contar para minha mãe que minha fala me incomodava bastante. Como percebi isso? No momento que a segunda fonoaudióloga me pedia para gravar meus exercícios. Ao ouvir eu pensava que aquela voz chiada e fanha não era a minha. Choque de realidade, sabem?
Eis que um daqueles momentos, em que você sabe que, se não agarrar aquela oportunidade ali, na hora, nunca mais agarra, aconteceu na minha vida. Nunca vou esquecer disso: estávamos fazendo janta – eu e minha mãe – e minha mãe comentou comigo o que a psicóloga havia falado. Eu confirmei e ela pediu se eu não gostaria de ver o Dr. Collares para reavaliar meu caso, de repente fazer outra cirurgia. Detalhe: faltavam uns dois meses para eu viajar. Eu topei e lá fomos nós, começar a “Segunda Jornada”.
Minha cirurgia foi marcada para dia 4 de agosto de 2015. Eu embarcava dia 4 de setembro de 2015. Nada podia dar errado. 4 horas depois, fui para a recuperação e ali começou o mês mais insano da minha vida. A dieta era restrita, precisávamos ser muito cuidadosos com a higiene da cicatriz e, ainda por cima, eu precisava organizar os papeis e a mala para a viagem. Somente um dia eu tive medo, porque acordei com a pressão muito baixa e nada que eu comesse – dentro da dieta – estava ajudando. Liguei para a mãe que me levou junto na Vita Clínica – ela ia atender de tarde. Lá, fui muito bem cuidada e, no final da tarde, estava me sentindo melhor. Dia 4 de setembro eu estava comendo normalmente, sem complicações e uma cirurgia muito bem sucedida, indo rumo à Alemanha.
10 meses depois estava de volta em casa, prestes a completar 18 anos. Tudo correu muito bem na Alemanha e, alguns meses depois de voltar, comecei a fono novamente, dessa vez, decidida a mudar minha fala de uma vez por todas. Comecei aos poucos, me dedicando todos os dias um pouco, rumo à dicção desejada. Meus avanços foram incríveis e cheguei ao ponto de ter 2 profissionais incríveis comigo, me acompanhando com diferentes abordagens. Dois anos depois (em 2018), acabei parando bruscamente, porque senti que faltava uma parte do tratamento a ser feita: a parte odontológica.
Esse ano, em 2020, mesmo com tudo o que está acontecendo, comecei minha Terceira Jornada – a jornada final? -, com um odontologista de Porto Alegre me acompanhando, além do Dr. Collares. Temos planos em mente para mim e, dessa vez, eles só terminam quando eu receber alta dos três profissionais – porque a fono ainda vai voltar!
Basicamente, essa é minha história, que eu conto também, acompanhada de muitos estudos científicos, no meu blog Diários de uma Fissurada Palatina. Nunca pensei que minha história poderia inspirar pessoas e se tornar uma bandeira que levanto com tanto orgulho hoje.
À Vita Clínica, obrigada por tudo que fizeram por mim e pela minha família até hoje. Vocês são profissionais e pessoas maravilhosas! E uma frase final para você, leitor, de Jon Acuff (com tradução livre): quando você se recusa a esconder suas cicatrizes, elas se tornam um farol para alguém.